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(446) CONTOS DE MISTÉRIO - O RETRATO OVAL DE EDGAR ALLAN POE

 Edgar Allan Poe



O castelo em que meu criado se aventurara a forçar
 entrada, em  lugar de deixar-me passar uma noite ao 
relento,  gravemente ferido  como eu estava, era um 
daqueles edifícios mesclados de  soturnidade e grandeza 
 que por muito tempo carranquearam entre  os Apeninos,
 tanto na realidade quanto na imaginação da Sra. Radcliffe. 
 Ao que tudo indicava, fora abandonado havia pouco e 
temporariamente. Acomodamo-nos num dos quartos 
menores e menos suntuosamente mobiliados, que ficava 
num remoto torreão  do edifício. Sua decoração era rica, 
porém esfarrapada e antiga. As  paredes estavam forradas 
com tapeçarias e ornadas com diversos e  multiformes 
troféus heráldicos, juntamente com um número 
inusual   de espirituosas pinturas modernas em molduras de 
ricos arabescos  dourados. Por essas pinturas, que pendiam 
das paredes não só de  suas principais superfícies, mas de 
muitos recessos que a   arquitetura bizarra do castelo fez 
necessários, por essas pinturas  meu delírio incipiente, 
talvez, fizera-me tomar interesse profundo; de modo que 
ordenei a Pedro fechar os pesados postigos do quarto 
– visto que já era noite –, acender um alto candelabro que 
se  encontrava à cabeceira de minha cama e abrir 
amplamente as  cortinas franjadas de veludo negro que a 
envolviam. Desejei que tudo isso fosse feito para que 
pudesse abandonar-me, ao menos  alternativamente, se 
não  adormecesse, à contemplação das pinturas e à leitura
atenta de um pequeno volume encontrado sobre o 
travesseiro   que se propunha a criticá-las e descrevê-las.
Por longo, longo tempo li, e com devoção e dedicação 
contemplei- as.
 Rápidas e gloriosas, as horas  voavam e a meia-noite 
profunda veio. A posição do candelabro voavam e a meia- 
noite profunda veio. A posição do candelabro desagrada-me
 e estendendo a mão com dificuldade em vez de perturbar 
 meu criado adormecido, ajeitei-o a fim de lançar seus 
raios de luz mais em cheio sobre o livro.
Mas a ação produziu um efeito completamente imprevisto. 
Os raios  das numerosas velas (pois eram muitas) agora 
caíam  num nicho do quarto que até o momento estivera mergulhado em profunda sombra por uma das colunas da 
  cama. Assim, vi sob a luz vívida um quadro não notado 
antes. Era o  retrato de uma jovem quase mulher feita.
 Olhei a pintura apressadamente e fechei os olhos.
 Não foi a princípio claro para minha própria percepção por
 que fiz isso. Todavia, enquanto minhas pálpebras 
permaneciam  dessa forma fechadas, revi na mente a 
reação de fechá - las.
Foi um   movimento impulsivo para ganhar tempo para 
pensar – para  certificar-me de que minha vista não me 
enganara – para acalmar e  dominar minha fantasia para 
uma observação mais calma e segura.
Em poucos momentos, novamente olhei fixamente a pintura.
O que agora via, certamente não podia e não queria 
duvidar,  pois o primeiro clarão das velas sobre a tela 
dissipara o estupor de sonho que me roubava os sentidos,
 despertando-me imediatamente  a realidade.
O retrato, já o disse, era o de uma jovem. Uma mera cabeça 
e   ombros, feitos à maneira denominada  tecnicamente de 
vinheta, muito ao estilo das cabeças favoritas de  Sully.
 Os braços, o busto e as pontas dos radiantes cabelos 
dissolviam-se imperceptivelmente na vaga mais profunda 
sombra que formava o fundo do conjunto. A moldura era 
oval, ricamente dourada e    filigranada à mourisca. Como
 objeto artístico, nada  poderia ser mais admirável do que 
aquela pintura em si.
  Mas não  seria a elaboração da obra nem a beleza imortal 
daquela face o que tão repentinamente e  com veemência 
comovera-me.
 Tampouco teria minha  fantasia, sacudida de seu meio-
sono,  tomado a cabeça pela de uma pessoa viva.
  Vi logo que as peculiaridades do  desenho, do vinheta e da
 moldura devem ter dissipado instantaneamente tal ideia - e 
até mesmo evitado sua cogitação momentânea.
 Pensando seriamente acerca desses pontos, permaneci,
 talvez uma hora, meio sentado, meio reclinado, com minha
 vista pregada ao retrato. Enfim, satisfeito com o verdadeiro 
segredo de seu efeito, caí de  costas na cama.
 Descobrira o feitiço do quadro numa  absoluta naturalidade
 de expressão, a qual primeiro espantou-me e por fim 
confundiu-me,  dominou-me e  aterrorizou-me.
 Com profundo e reverente temor,  recoloquei  o candelabro
em sua posição anterior. Sendo a causa de minha profunda
 agitação colocada assim fora de vista, busquei avidamente
 o volume que tratava das pinturas e  suas histórias.
 Dirigindo-me ao número que designava o retrato oval, li as 
vagas e singulares palavras que se seguem:
“Era uma donzela de raríssima beleza, não mais 
encantadora do que cheia de alegria. Má foi a hora em
que viu, amou e desposou o pintor. Ele, apaixonado, 
estudioso, austero, e tendo já na sua Arte uma esposa; ela, 
uma donzela de raríssima beleza, não mais encantadora do
 que cheia de alegria; toda luz e sorrisos, e travessa como 
uma corça nova; amando e acarinhando todas as coisas; 
odiando apenas a Arte, sua rival; temendo só a paleta, os 
pincéis e outros desfavoráveis instrumentos que a privavam 
do rosto de seu amado. Era, portanto, uma coisa terrível 
para essa dama ouvir o pintor falar de seu desejo de retratar 
justo sua jovem esposa. No entanto, ela era humilde e 
obediente, e posou submissa por muitas semanas na escura
e alta câmara do torreão, onde a luz caía somente do teto 
sobre a pálida tela. Mas ele, o pintor, glorificava-se com sua 
obra, que  continuava de hora a hora, dia a dia. E era um 
homem apaixonado, impetuoso e taciturno, que se perdia em
devaneios; de maneira que não queria ver que a luz 
espectral que caía naquele torreão isolado debilitava a 
saúde e a vivacidade de sua esposa, que definhava 
visivelmente para todos, exceto para ele. Contudo, ela
 continuava a sorrir imóvel, docilmente, porque viu que o 
pintor (que tinha grande renome) adquiriu um fervoroso e 
ardente prazer em sua tarefa, e trabalhava dia e noite para 
pintar a que tanto o amava, aquela que a cada dia ficava
 mais desalentada e fraca. E, em verdade, alguns que viam o
retrato falavam, em voz baixa, de sua semelhança como de 
uma poderosa maravilha, e uma prova não só da força do 
pintor como de seu profundo amor pela qual ele pintava tão 
insuperavelmente bem. Finalmente, como o trabalho 
aproximava-se de sua conclusão, ninguém mais foi admitido 
no torreão, pois o pintor enlouquecera com o ardor de sua 
obra, raramente desviando os olhos da tela, mesmo para 
olhar o rosto de sua esposa. Não queria ver que as tintas 
que espalhava na tela eram tiradas das faces da que posava
 junto a ele. E quando muitas semanas nocivas passaram e 
pouco restava a fazer, salvo uma pincelada na boca e um 
tom nos olhos, o espírito da dama novamente bruxuleou 
como a chama de uma lanterna. Então, a pincelada foi dada 
e o tom aplicado, e, por um momento, o pintor deteve-se 
extasiado diante da obra em que trabalhara. Porém, em 
seguida, enquanto ainda contemplava-a, ficou trêmulo, 
muito pálido e espantado, exclamando em voz alta:
 "Isto é de fato a própria Vida"!
Voltou-se repentinamente para olhar sua amada: estava 
morta!”

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Boa leitura amiguinhos!!!

 
Imagem retirada da internet

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