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(226) CONTOS E CANTOS DO LIVRO CRIANÇA FELIZ ORGANIZADO POR NELLY NOVAES COELHO


MARIA – TOUCA
TELMA GUIMARÃES

Não havia quem não a conhecesse ou tivesse ouvido falar.
O nome era Maria e ela era muito baixinha. Muito mesmo. Usava uns saiões rodados, sapato tipo boneca, um batom bem cor-de-rosa e nas bochechas, um tanto assim de carmim.
Vivia carregando uma sombrinha florida, fizesse sol ou caísse o maior temporal. Talvez fosse mania... Ou porque com a sombrinha conseguisse meter medo na criançada.
Todo moleque ou moleca que se prezasse tinha que gritar “Maria-touca” e fugir correndo. Explico:  a Maria usava um lenço na cabeça.
Era tão amarrado que parecia uma touca. O apelido pegara de primeira e ela, que não gostara nem um pingo, já se pusera a correr de sombrinha levantada atrás dos malcriados. Maria-touca  não tinha profissão definida e muito menos idade. Nunca ninguém perguntara e lá ia ela envelhecendo de saião rodado, sombrinha e touca, afora o batom cor-de-rosa. Fazia uns bicos vendendo toalhinhas de crochê de todas as cores. Saía depois do almoço, batendo de porta em porta, oferecendo os trabalhos:
 toalhas de bandejas, toalhinhas para pão, guardanapos, saias para liquidificador, batedeira, botijão de gás, babadores e toucas de nenê.
Lembro-me que eu era bem pequeno e estava na janela de casa, olhando as pessoas na rua, quando ouvi o Dico gritando:
- Maria-touca-touca-touca-touca!
Logo, avistei a Maria correndo, sombrinha em punho, atrás do nosso vizinho.
- Espera aí que eu te pego, sem-vergonha!
Fiquei na maior torcida para que ela não pegasse o Dico. Se conseguisse, ele ia apanhar duas vezes: da Maria e da mãe dele. Mas o Dico fugira e ela teve que engolir o apelido.
- Um dia eu pego esses moleques! – bufava.
Mas na verdade, nunca conseguiu pegar nenhum.
O apelido pegou de tal maneira que, toda vez que a Maria batia às portas para vender seus crochês, alguém gritava:
- É a Maria-touca!
E ela ficava furiosa, com sua sombrinha em punho.
Foi numa  tarde chuvosa em que minha mãe tinha saído que tudo aconteceu. Eu e o meu irmão tínhamos prometido que não arredaríamos o pé de casa até que ela chegasse. Mas ela demorou tanto pra voltar, que resolvemos dar só uma espiada numa enorme poça d’água que se formara em frente da nossa casa.
- Você primeiro! – eu apontei para o meu irmão maior.
- Depois você vem, tá? – ele entrou, de calção e tudo.
- Tá... – eu ainda estava na dúvida.

Num minuto e nós já  estavámos nos esbaldando na água barrenta que, para nós, era como a água cristalina  do Rio do Peixe. Da cor da lama e parecidos com porcos, ficamos ali até que ouvimos a gritaria:
- Maria-touca! Maria-touca! Maria-touca!
Olhamos em volta. Nada. Como não vimos ninguém, engrossamos o coro e caímos na gritaria:
- Maria-touca! Maria-touca! Maria-touca! – Eu e o meu irmão ríamos a valer,  imitando  a Maria-touca  com a sombrinha.
De repente, surgindo do nada, apareceu a sombrinha da Maria-touca... Grande  e doída.
- Eram  vocês, hein? Pois tomem, tomem e tomem! – ela deitou a sombrinha pra valer.
Saímos da poça imundos e entramos em casa, enlameando todo o tapete da sala. Atrás da gente veio a sombrinha e segurando a sombrinha, a dona dela.
- Agora vocês vão ver... Vou contar tudo pra vossa mãe! E tentava nos acertar com a sombrinha.
Minha mãe chegou em seguida. Ai! Que palmadas mais doídas!
Muito brava, pediu mil desculpas para a dona Maria com uma das mãos e com a outra, tratava de puxar as nossas orelhas.
Depois de um pito enorme, nos colocou no banho e foi fazer um café para a dona Maria. Estava tão sem graça que acabou comprando uma pilha de paninhos de crochê. Até hoje ela diz que não sabe para que servem!
- A senhora desculpe, dona Maria-Tou... – minha mãe quase repetiu o apelido. – Nunca mais eles vão chamar a senhora assim. Eu prometo!
- E lhe deu o dinheiro.

- Acho bom mesmo! E passar muito bem! Guardou o dinheiro na sacolinha de crochê e, sombrinha em punho, saiu em direção ao ponto de ônibus.
Minha mãe veio até o banheiro onde a gente se lavava e até aí e que as palmadas cantaram forte. Não ficamos sabendo se por causa da desobediência em sair de casa, se da poça d’água, da lama no tapete da sala ou do apelido da Maria-touca.
Mas nem por isso deixamos de repetir o apelido da Maria, toda vez que a víamos. Era muito engraçado, divertido até, sair correndo e nos escondermos da baixinha. Um dia, eu já estava cursando a quinta série, quando ao pegar o ônibus, sem querer sentei-me logo atrás da Maria-touca. Não me viu. Estava bem mais velha. Conversava com uma amiga.
- No começo eu ficava braba de verdade. Se tinha coisa que me deixava embirrada era o apelido de Maria-touca. Fazia um estardalhaço, saía correndo atrás daquela molecada, dava sombrinhada até na minha sombra se fosse preciso, até que descobri uma vantagem nisso.
Um dia, consegui pegar um dos moleques pelas orelhas, levei o bendito
até sua casa e o entreguei para a mãe, que passou o maior sermão.
Depois do sermão, ofereci meus crochês. A mãe estava tão sem graça que acabou comprando tudo. Vai ver foi uma forma de se desculpar pela falta de educação do filho. Sabe como é, uns meninos da pá virada! Foi daí que percebi que podia aproveitar essas situações para vender meus crochês. Olha, às vezes eu passava até fome!
- Verdade, Maria? -  a outra estava de queixo caído.
- Verdade pura. Com este tamanho, ninguém me dava emprego, sabe como é que é. Muito baixinha pra ficar atrás de balcão... Além de que nem sei escrever direito. Se não tivesse aproveitado a confusão que o apelido causava, acho que estaria morando num asilo. Naquele dia cheguei em casa, como diz a minha mãe, com cara de quem viu “passarinho verde”. Não contei nada a ninguém, nem ao meu irmão mais velho. Mas, na verdade, eu já descobrira como ajudar Maria a ganhar seu dinheirinho.
Uma semana depois, ela passou em frente  de casa. Quando a vi, gritei o mais alto que pude:
- Maria-touca, Maria-touca, Maria-touca, Maria-mil-vezes-touca!
Minha mãe achou que eu tinha enlouquecido. Muito brava comigo, me fez comprar, com a minha própria mesada, umas três toalhas da dona Maria, sombrinha em punho, pronta para me acertar.
- Desculpe o meu filho, dona Maria... Eles cresceu mas continua sem-educação! Prometo que ele não vai mais chamar a senhora assim!
- Tomara mesmo! – ela abaixou a sombrinha, com uma risadinha esperta e um brilhinho no olhar.
***    ***    ***    ***    ***    ***    ***    ***    ***    ***    ***    ***    ***                                         
O que achou da surpresa do final? Como viu, as coisas se inverteram: o que era ruim no início, acabou se transformando em algo bom, no fim. Brincadeiras de arreliar os outros podem ser divertidas para a meninada. Mas às vezes têm seu lado mau: o desrespeito humano pode ferir fundo as pessoas visadas. Felizmente, nesta alegre história, a Maria-Touca soube “dar a volta por cima” e transformar o desrespeito à sua pessoa em fator favorável ao  seu ganho de vida. Você e seus amigos, o que acham dessa brincadeira? Acham legal? Ou não?

Boa leitura!!!  

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